Jiang Zemin é responsável pela campanha douzheng (de violência) contra o Falun Gong na China, que compreende detenções e prisões ilegais, tratamento desumano e degradante, tortura, genocídio e extração de órgãos, dentre outros crimes contra a humanidade. Esses crimes foram realizados de acordo com as ordens, a estratégia, o planejamento e a supervisão de Jiang Zemin, como parte de sua decisão pessoal de eliminar o Falun Gong da China. Este relatório analisa o papel de Jiang na campanha douzheng, de violência e tortura dos praticantes de Falun Gong. Um relatório subsequente examinará o seu papel na prática de genocídio e outras violações referidas neste parágrafo.
A definição mais comumente aceita de tortura é a encontrada na Convenção Contra a Tortura. O artigo 1º da convenção define tortura como:
Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento, ou aquiescência [1].
A tortura dos praticantes do Falun Gong na China continua ocorrendo de forma sistemática e generalizada. Relatos de abuso, incluindo fotografias e relatos em primeira mão dos praticantes do Falun Gong continuam a ser recebidos pela Fundação em Defesa dos Direitos Humanos (Human Rights Law Foundation – HRLF) diariamente. A tortura é usada principalmente para obter confissões e produzir conversões ideológicas forçadas, bem como para extrair informações sobre o paradeiro e as atividades de outros indivíduos. Praticamente todos os praticantes do Falun Gong que foram encarcerados ou detidos têm sido submetidos à tortura.
A utilização generalizada da tortura contra os praticantes do Falun Gong é uma violação direta de inúmeros artigos do direito chinês e internacional. Esses incluem o Artigo 43º do Direito Processual Penal da República Popular da China, que proíbe produzir provas ou obter confissão por meio de tortura ou ameaça, sedução ou fraude; além do Artigo 247º da Lei Penal e da Convenção Contra a Tortura, ratificada pela República Popular da China em 1988 [2]. Embora o uso da tortura contra praticantes do Falun Gong seja uma violação da legislação chinesa, ele é consistente com a forma como as forças de segurança do PCC lidam comumente com grupos considerados inimigos ideológicos do Partido. Esse status foi atribuído ao Falun Gong por meio de propaganda e instigado por Jiang Zemin, o qual exigiu a supressão violenta (douzheng) da prática e utilizou várias formas de justificação ideológica e retórica para aprovar e incentivar, tácita ou explicitamente, o uso da tortura contra todos os praticantes do Falun Gong. Todos os níveis da hierarquia do PCC se envolveram nas torturas, em conformidade com as ordens, planos, estratégia e instruções de Jiang Zemin [3]. Como o Partido se coloca acima de toda regulação legal na China, as disposições contra a tortura efetivamente não restringem o tratamento das forças de segurança contra o Falun Gong (ou contra quaisquer outros prisioneiros de consciência na China).
2.1 Tortura generalizada de praticantes do Falun Gong
Desde 1999, mais de 70 mil casos individuais de tortura e abuso de praticantes do Falun Gong sob custódia têm sido reportados por fontes de informação dentro da China. Desde 2009, o HRLF tem entrevistado centenas de praticantes do Falun Gong detidos anteriormente. Praticamente todos os entrevistados relataram haver sido torturados na prisão. Essas informações são consistentes com os relatos de advogados chineses que trabalham com a HRLF, os quais reportam que, nas dezenas de casos envolvendo praticantes do Falun Gong, todos os seus clientes foram submetidos à tortura. Reportagens ao site Minghui, a partir de fontes diretas da China, mencionam que 1.680 praticantes do Falun Gong foram torturados ao longo de 2010, sugerindo que, no mínimo, entre 7.000 a 8.000 praticantes do Falun Gong foram torturados entre 2009 e 2013. Dada a dificuldade de relatar tais incidentes no ambiente de censura na China, os números reais são sem dúvida muito mais elevados, atingindo pelo menos vários milhões.
Esses relatos são consistentes com registros de outros observadores dos direitos humanos e com o do Relator Especial da ONU para a tortura, que em 2005 relatou que 66% das queixas de tortura apresentadas durante o seu mandato envolviam praticantes do Falun Gong [4]. O Dr. Manfred Novak, Relator Especial das Nações Unidas, em março de 2006 reafirmou a conclusão de que a tortura continuava sendo amplamente praticada [5]. Outro Relator Especial da ONU, Sir Nigel Rodley, relatou que "Praticantes [do Falun Gong] são submetidos à humilhação pública por sua associação ao Falun Gong... muitos disseram ter sofrido tortura ou maus-tratos”[6].
De forma semelhante, o Departamento de Estado dos Estados Unidos tem descrito a utilização generalizada da tortura na China para coagir os praticantes do Falun Gong a renunciar às suas crenças religiosas. De acordo com o Relatório de 2006 do Departamento de Estado para os Direitos Humanos dos EUA [7]"[O] governo da China continua a empregar tortura... para forçar os praticantes do Falun Gong a renunciar às suas crenças.”
Vários tribunais dos Estados Unidos têm apontado que a tortura é uma medida generalizada e que continua sendo empregada contra os praticantes do Falun Gong. Por exemplo, o Sétimo Circuito deixou claro que a adesão ao Falun Gong é uma razão de temor de futuras perseguições nos casos de deportação para a China. Em particular, o Sétimo Circuito do Tribunal de Apelações expôs que “o governo [dos EUA] reconhece que a China persegue os praticantes de Falun Gong... e que a determinação do governo chinês em erradicar o Falun Gong é misteriosa, mas inegável.” Ver Iao v. Gonzales, C.A. 7, 2005 (n º 04-1700).
Tribunais dos Estados Unidos encontraram até mesmo altos funcionários chineses envolvidos nas campanhas persecutórias generalizadas e que privaram os praticantes do Falun Gong de seu direito de estarem livres de tortura na China. No Doe v. Liu Qi, 349 Supp 1258, 1334 (N.D. Cal 2004), o Tribunal concluiu que “a República Popular da China parece autorizar secretamente mas negar publicamente as alegadas violações de direitos humanos causadas ou permitidas pelos réus... Os réus Liu e Xia são responsabilizados respectivamente por violações dos direitos dos autores da ação de estarem livres de tortura... tratamento cruel, desumana ou degradante... bem como de detenção arbitrária.” Da mesma forma, em Wei Ye et al v. Jiang Zemin et al, f. 3D 383 620 (7º Cir. 2004), o Sétimo Circuito do Tribunal de Apelações afirmou as generalizadas alegações dos autores sobre tortura e maus tratos nas mãos de Jiang Zemin. Embora o Tribunal de Justiça tenha finalmente arquivado o caso por motivos de imunidade do chefe de Estado, ele expôs diversos fatos em apoio às alegações dos autores: “Em 10 de junho de 1999, o presidente Jiang estabeleceu, como parte do aparato do Partido, a Agência de Controle para a questão do Falun Gong. A agência é conhecida como ‘Agência 610' após a data da sua criação. Em julho de 1999, o presidente Jiang emitiu um decreto proibindo o Falun Gong. Este decreto foi seguido de prisões em massa... tortura, operações de ‘reeducação” e o assassinato de membros”. Id. em 622.
Da mesma forma, em 15 de julho de 2008, o Conselho Rabínico Israelense concluiu que, “com base no acúmulo de vários testemunhos e evidências indiretas... têm havido inumeráveis casos de assassinato de inocentes, praticantes do Falun Gong, por meio de tortura.” Acusações emitidas por tribunais na Espanha e na Argentina chegaram a conclusões semelhantes [8].
2.2 A gravidade da tortura
Métodos comuns de tortura são muito violentos e incluem espancamentos, choques elétricos, suspensão de cabeça para baixo e em outras em posições dolorosas, fratura de membros, alimentação forçada e violenta, prolongadas privações de sono, injeções com medicamentos psicotrópicos, experimentos médicos, extração de órgãos, esterilização forçada, estupro, agressão sexual e humilhação. Ex-detentos em campos de trabalho, não praticantes do Falun Gong, confirmaram que os praticantes do Falun Gong são selecionados para sofrer tortura e abusos [9].
A gravidade da tortura sofrida pelos praticantes do Falun Gong e seus apoiadores, seja nos níveis nacional ou local por toda a China, tem sido extensivamente confirmada e documentada pelo governo dos EUA nos seus relatórios nacionais sobre direitos humanos e nos seus relatórios anuais sobre a liberdade religiosa internacional, bem como nos relatórios expedidos por grupos independentes de direitos humanos como a Anistia Internacional e o Human Rights Watch.
Por exemplo, o Relatório Anual de 2001 sobre Liberdade Religiosa Internacional, publicado pelo Departamento de Estado dos EUA em dezembro de 2001, inclui numerosas referências específicas aos principais abusos e violações dos direitos humanos cometidos contra praticantes do Falun Gong na China, em seu esforço para eliminar e erradicar totalmente a presença do Falun Gong naquele país. O relatório descreve a repressão contra o Falun Gong como ligada ao esforço das autoridades para controlar e regular as atividades de grupos religiosos e evitar a ascensão de grupos ou fontes de autoridade fora do controle do governo e do Partido Comunista Chinês (p.122). O relatório de 2001 cita que “cerca de 100 ou mais praticantes do Falun Gong morreram enquanto estiveram em detenção, desde 1999" (p.122); que “muitos dos seus corpos segundo reportado mostram sinais de espancamentos severos e tortura”; que “a polícia frequentemente usa força excessiva para deter manifestantes pacíficos, incluindo idosos ou pessoas acompanhadas de crianças pequenas”; e que a “tortura (que incluem choques elétricos e ter as mãos e pés algemados e ligados por correntes de aço cruzadas) foi amplamente relatada” (p. 131).
A aplicação continuada de tortura severa para aqueles que se recusam a renunciar à sua crença no Falun Gong tem sido sucessivamente afirmada em relatórios [10]. O Relatório de 2006 do Departamento de Estado dos EUA sobre Liberdade Religiosa Internacional observa que “os praticantes do Falun Gong continuaram a enfrentar detenção, prisão e condenação, e tem havido relatos críveis de mortes devido à tortura e abuso. Os praticantes que se recusam a renegar suas crenças... são submetidos a tratamento severo em prisões, ‘reeducação’ em campos de trabalho e centros extrajudiciais de ‘educação em direito’, enquanto alguns, que se retrataram, retornaram da detenção.”
Gao Zhisheng, advogado internacionalmente conhecido, o qual foi, ele próprio, preso atualmente, visitou as casas de dezenas de praticantes do Falun Gong na China. Todos relataram ter sido submetidos à tortura severa em instalações de ‘reeducação” e trabalho, centros de lavagem cerebral e campos de trabalho forçado, com base unicamente em sua recusa a renunciar à crença no Falun Gong. Gao Zhisheng relatou “atos imorais que chocaram a minha alma; sendo o principal... a prática lasciva rotineira da política e pessoal da Agência 610 de atacar os órgãos genitais femininos. Os genitais e os seios de quase todas as mulheres, bem como os genitais masculinos, têm sido agredidos da forma mais vulgar durante a perseguição. Quase todos os que foram perseguidos, sejam homens ou mulheres, primeiro foram despidos antes de qualquer tortura. Os praticantes do Falun Gong... e muitos outros detentos disseram ter sofrido tortura ou maus-tratos” [11].
2.3 Outras formas de tortura
Extração de órgãos
A extração de órgãos de praticantes do Falun Gong na China continua a ocorrer de forma sistemática e generalizada. Registros desse abuso, incluindo relatos em primeira mão, começaram a emergir [12]. A extração de órgão é utilizada principalmente para suprir a indústria de transplante de órgãos na China. Relatórios documentando essa prática foram publicados por David Matas e David Kilgour, Ethan Guttmann e Robinson [13]. Matt Damon Noto, diretor da organização Médicos Contra a Extração Forçada de Órgãos (Doctors Against Forced Organ Harvesting – DAFOH) também contribuiu significativamente para o debate [14].
A prática de extração de órgãos de praticantes de Falun Gong é parte de um padrão generalizado de abusos e torturas, infligido contra os praticantes do Falun Gong na China. As extrações de órgãos não podem ser separadas dos outros atos de tortura e perseguição. Eles configuram a “solução final” levada a cabo pela campanha de luta e tortura (douzheng) de Jiang Zemin na perseguição ao Falun Gong.
Base legal
A extração forçada de órgãos satisfaz a definição de tortura, no âmbito da Convenção Contra a Tortura (e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes).O tráfico de órgãos não é apenas uma violação direta da Convenção Contra Tortura, que a China ratificou em 1988, mas também uma violação da legislação chinesa. Artigo 234º(a) do Direito Penal Chinês criminaliza a venda de órgãos e sua remoção sem consentimento.
As condições locais
Desde 2006, têm havido persistentes relatos de prisioneiros de consciência, praticantes do Falun Gong, sendo mortos para fornecer órgãos para a indústria de transplante na China. Após reavaliar a conformidade da China com os termos da Convenção Contra Tortura em 2008, o Comitê Contra Tortura, da ONU, expressou preocupação com as “informações de que praticantes do Falun Gong tenham sido extensivamente submetidos à tortura e maus-tratos nas prisões e que alguns deles tenham sido usados como fonte de órgãos para transplantes.”[15] O Comitê da ONU recomendou uma investigação imediata e independente sobre as alegações e a tomada de medidas adequadas para garantir a denúncia dos responsáveis.
Devido ao seu grande envolvimento nesses abusos, as autoridades chinesas não forneceram informações abordando adequadamente essas questões, tal como uma contabilidade transparente das fontes de órgãos. Uma série de telefonemas feitos para vários funcionários de alto escalão tem corroborado a informação sobre a generalização desse abuso contra os praticantes do Falun Gong. Veja, por exemplo, este artigo do Epoch Times. Mais recentemente, em setembro de 2014, um alto funcionário chinês confirmou não apenas a prática de extração forçada de órgãos, mas também o envolvimento direto de Jiang Zemin. De acordo com uma conversa telefônica gravada secretamente, quando perguntado de onde vinham as ordens para extrair os órgãos dos praticantes do Falun Gong, Bai Shuzhong, ex-ministro da Saúde do Departamento de Logística Geral do Exército de Libertação Popular, respondeu: “Na época era do presidente Jiang, havia uma instrução, uma instrução para começar esta coisa, transplante de órgãos.” Consulte este artigo do Epoch Times.
3. Estupro e abuso sexual de mulheres
Estupro e outras formas de abusos sexual são práticas de tortura utilizadas para obter confissões de mulheres que praticam o Falun Gong na China. De acordo com Gao Zhizheng e vários outros especialistas, a prática de agredir os órgãos genitais femininos é rotineira. Quase todas as mulheres que foram torturadas têm sido despidas primeiro. Ver notas de 5 e 11. Os estupros são praticados contra mulheres idosas, assim como contra mulheres jovens e solteiras. Até mesmo uma criança de nove ano de idade foi estuprada para obter uma confissão fraudulenta. Consulte este artigo do Minghui.
Esses casos de tortura baseiam-se em documentação oficial incompleta. Os números reais de praticantes do Falun Gong submetidos a crimes relacionados com a tortura são muito maiores.
Conforme indicado na “Campanha douzheng de Jiang Zemin e do Partido Comunista contra o Falun Gong”, quando um grupo ou indivíduo é identificado como um alvo de violência (douzheng), a implicação é clara: é imperativo ignorar a lei e perseguir essa pessoa ou grupo. O objetivo é forçar a pessoa ou grupo a renunciar à sua crença e identidade de grupo e “unir forças” com o Partido para atacar outros membros do grupo-alvo, usando os mesmos métodos. Para atingir esse objetivo, Jiang Zemin ordenou que os praticantes do Falun Gong fossem submetidos a zhuanhua (conversão forçada), ou seja, via tortura. Indivíduos que se recusem a ser “convertidos” estão sujeitos a mais da tortura e, em muitos casos, à morte.
Jiang Zemin ordenou a aplicação das práticas de conversão ideológica logo em julho de 1999, por meio de uma série de documentos oficiais que marcaram o início da perseguição. Esses documentos incluem a nota expedida por Jiang em julho de 1999, ao Comitê Central do PCC (CCPCC), ordenando a reconversão ideológica de todos os Membros do PCC que estivessem praticando o Falun Gong [16]. Em 6 de agosto de 1999 Jiang expediu outra nota por meio do Escritório General do Comitê Central do PCC, estabelecendo diretrizes e regras específicas para permitir a efetiva conversão de membros do Partido que praticam o Falun Gong [17]. Em 24 de agosto de 1999, Jiang expandiu ordens para incluir todos os praticantes do Falun Gong, independentemente da sua ligação com o Partido e enfatizou pela primeira vez o papel central da conversão ideológica (zhuanhua) na campanha de luta (douzheng) contra o Falun Gong. Ver “A destruição da mente e corpo por meio da lavagem cerebral”
Assim, conforme descrito em detalhes adiante, Jiang Zemin é criminalmente responsável pela tortura generalizada dos praticantes do Falun Gong, sob vários modos de responsabilidade reconhecidos nos termos do direito internacional e chinês. Esses modos incluem: (1) ordenação, (2) planejamento, (3) solicitação ou indução, (4) facilitação e cumplicidade, (5) associação criminosa e (6) comando.
A responsabilidade de ordenação está bem estabelecida no âmbito do Direito Internacional Consuetudinário (DIC) [18]. Ver Krstic, acórdão de julgamento ¶ 601; Akayesu, acórdão de julgamento ¶ 483; Blaskic, acórdão de julgamento ¶ 281; Kordic e Cerkez, acórdão de julgamento ¶ 388.
A responsabilidade de ordenação ocorre quando uma pessoa em uma posição de autoridade usa essa posição para convencer outro a cometer um delito. Krstic, acórdão de julgamento ¶ 601. Sob o direito internacional consuetudinário, isso requer a intercorrência de três fatores:
A relação superior-subordinado não é necessariamente formal, mas deve ficar estabelecido que o acusado possua autoridade para proferir ordens. Kordic, acórdão de julgamento ¶ 388. Em hierarquias militares e civis, tanto os superiores de jure como superiores de facto podem ser responsabilizados. Ver Antonio Cassese, Direito Penal Internacional 230 (2008).
Na qualidade de secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC), Jiang Zemin era a principal autoridade do Comitê Permanente do Politburo, a qual exerce controle sobre o Politburo do PCC, que tem controle sobre o Comitê Central do PCC que, por sua vez tem controle sobre cada uma das comissões regionais do PCC. Sob o sistema autoritário, de partido único, que governa a China, todos esses comitês do PCC exercem altos níveis de controle sobre os órgãos paralelos do governo, nos vários níveis, especialmente dentro da hierarquia de segurança. Jiang Zemin também era o presidente da China e presidente da Comissão Militar Central. Assim, ele exerceu controle sobre os órgãos de Estado e sobre as Forças Armadas. Como tal, Jiang possuía a autoridade para ordenar a tortura e a perseguição do Falun Gong.
Ordenar tem sido amplamente definido, no âmbito do DIC, como envolver uma pessoa que emite uma ordem, comando ou instrução e, dessa forma, convence, persuade, obriga ou impele outra pessoa, ou pessoas, a cometer um crime [19]. Nesse sentido, é irrelevante se um documento ou declaração é ou não expressamente referido como uma ‘ordem’ [20]. Tampouco é necessário que a ordem seja dada na forma escrita ou qualquer outro formato específico [21]. Uma ‘ordem’ pode envolver instruções estritas, bem como gerais [22]. Uma ‘ordem’ pode ainda ser explícita ou implícita. Como tal, a ‘ordem’ pode ser expressa em termos que não sejam claramente obrigatórios, desde que o contexto deixe claro que a instrução constitui uma ordem para que algo seja cumprido ou executado [23]. O fato de que foi dada uma ‘ordem’ pode ser comprovado por meio de evidencias circunstanciais [24].
A ordem não precisa ser dada diretamente ao indivíduo que deverá executá-la. Id. em ¶ 282. Além disso, se uma ordem para cometer um delito, emitida por uma autoridade superior, passa por uma autoridade subordinada até os níveis inferiores por meio de uma cadeia de comando, todos os indivíduos em níveis intermediários de autoridade podem também serem responsabilizados por transmitir a ordem ilegal. Ver Kupreskic, acórdão de julgamento, ¶¶ 827, 862.
A ordem não tem que ser executada efetivamente para que o superior seja responsabilizado. Basta que a intenção fosse de que a ordem fosse executada e que aquele que a emitiu soubesse que a ordem era ilegal ou fosse manifestamente ilegal [25].
Aplicado ao caso de Jiang Zemin, é evidente que Jiang, como a principal autoridade do Partido, emitiu ordens ilegais para converter ideologicamente e sob tortura, praticantes do Falun Gong, utilizando, para isso as cadeias de comando do Partido desde os mais altos escalões, em nível central, até os oficiais de nível inferior, nas províncias, municípios e outros níveis regionais que, por sua vez, transmitiam as suas ordens aos agentes de segurança nos centros de lavagem cerebral, de reeducação e de trabalhos forçados, além de outros centros de detenção e prisões. Peças-chave dessa cadeia de comando foram o “Grupo Líder para Tratar da Questão do Falun Gong” e a Agência 610, que Jiang estabeleceu em nível nacional e em todos os níveis regionais, para gerenciar e operar a supressão (douzheng) e conversão forçada (zhuanhua) de praticantes do Falun Gong. A ordem para estabelecer o “Grupo Líder” a Agência 610 foi transmitida pela mesma cadeia de comando [26].
Adicionalmente, Jiang Zemin ordenou a todos os membros leais ao Partido, incluindo membros influentes do governo e da sociedade civil na China, que divulgassem a propaganda difamatória do Falun Gong, buscando gerar medo e ódio aos praticantes e deixando claro que o grupo era o primeiro em uma cadeia de “inimigos do Estado” e alvos de flagrantes abusos e maus-tratos, incluindo tortura. Como um resultado direto, a mídia controlada pelo Partido espalhou a notícia para garantir que os praticantes do Falun Gong seriam submetido a perseguição e tortura e tidos como inimigos declarados do Partido (e como culto maligno) [27].
As ordens de Jiang para que os escalões superiores, intermediários e inferiores do Partido estudassem as ordens contidas nos seus discursos, especialmente o discurso de junho de 1999, também foram seguidas. Registros atuais, encontrados em sites do Partido, demonstram a extensão em que as Comissões do Partido, por toda a China, realizaram conferências, seminários e fóruns para estudar as Notas do Comitê Central do Partido, contendo os discursos de Jiang, nos quais ele ordenou a supressão violenta (douzheng) do Falun Gong. Esses comitês também demonstraram apoio para a repressão violenta e deram passos importantes para o avanço da campanha anti-Falun Gong [28].
Essas ordens chegaram aos diversos níveis e setores do Departamento de Segurança na China, que executaram a prisão e tortura de praticantes do Falun Gong em sessões de lavagem cerebral e “reeducação” nos campos de trabalho e prisões por toda a China [29].
A intenção criminosa (mens rea) da pessoa que emitiu a ordem é determinante da responsabilidade e não a pessoa que a executa. Kordic e Cerkez, acórdão de julgamento ¶ 388. O requisito da mens rea é a intenção: que o acusado “direta ou indiretamente pretende que o crime em questão seja cometido”. Blaskic, acórdão do julgamento ¶278; Kordic e Cerkez, acórdão do julgamento ¶ 386; Stakic, acórdão do julgamento ¶445.
Em alguns casos, até mesmo uma ordem legal pode gerar responsabilização. Em Blaskic, o réu ordenou fogo de artilharia contra algumas aldeias e seguiu-se um massacre de civis. Enquanto o Tribunal do Júri inicialmente considerou o réu culpado de uma imprudência padrão, a Câmara de Apelações considerou esta interpretação muito ampla. Isso porque “qualquer comandante militar que emite uma ordem de ataque seria criminalmente responsável, porque sempre há uma possibilidade de ocorrer violações”. Em vez disso, a Câmara de Apelações exigiram que fosse verificada “a consciência de uma substancial probabilidade de risco junto com o elemento volitivo, ou seja, a aceitação do risco decorrente”. Blaskic, acórdão da apelação ¶42. A Câmara de Apelações passou a sustentar que mens rea é a “consciência da probabilidade substancial de que um crime seja cometido na execução da ordem.... Ordenar com tal consciência deve ser considerada como aceitar esse crime”. Id. Uma vez que o réu também emitiu ordens proibindo a conduta criminosa e mesmo instruindo a identificação dos soldados propensos a conduta criminosa, a Câmara de Apelações considerou que ele não tinha consciência de uma “probabilidade substancial” de que crimes seriam cometidos. Id. em ¶¶ 346 – 48, 443, 465, 480 [30].
É claro que Jiang Zemin intencionou diretamente a conversão forçada (zhuanhua) dos praticantes do Falun Gong. Suas ordens diretas para realizar a supressão violenta (douzheng) do Falun Gong deixa isso claro, uma vez que a etapa final de uma campanha de supressão (douzheng) é a conversão por meio da força, ou seja, da tortura dos membros do grupo-alvo [31]. Sua intenção também está clara no seu uso repetido de rótulos que fazem do Falun Gong um alvo supostamente apropriado para a repressão violenta e a tortura, incluindo frases como “inimigo do Estado” e “culto maligno” [32]. Os esforços de Jiang para assegurar que as suas ordens para repressão (douzheng) ao Falun Gong e que as suas mentiras e calúnias sobre o grupo espiritual alcançassem não somente os aliados do Partido, incluindo as forças de segurança na China, mas também os chefes de Estados estrangeiros e oficiais chineses residentes no exterior[33], evidenciam a extensão da perseguição que Jiang pretendeu promover. Nesse sentido, ele também estava claramente consciente “da substancial probabilidade do risco” – na verdade uma certeza – de que a tortura ocorreria e aceitou esse risco. Ver Blaskic, acórdão da apelação ¶42.
A responsabilidade por planejamento está bem estabelecida no Direito Internacional Consuetudinário (DIC). Ver Krstic, acórdão de julgamento ¶ 601; Akayesu, acórdão de julgamento ¶480; Blaskic, acórdão de julgamento ¶ 279; Kordic e Cerkez, acórdão de julgamento ¶ 386.
A responsabilidade por planejamento ocorre quando uma ou mais pessoas orquestram o cometimento de um crime, incluindo a fase preparatória e de execução. Krstic, acórdão de julgamento ¶ 601. Sob o direito internacional consuetudinário, isso requer: (1) a existência de um plano para cometer um crime e (2) a intenção, direta ou indireta, de que o crime seja cometido.
A responsabilidade por planejamento surge quando “uma ou várias pessoas contemplam projetar o cometimento de um crime em ambas as fases: preparatória e executória”. Krstic, acórdão de julgamento ¶ 601. Evidências circunstanciais podem fornecer prova suficiente da existência de um plano. Blaskic, acórdão de julgamento ¶279. Além disso, ao contrário da associação criminosa, o planejamento pode ser feito por uma única pessoa e não exige acordo entre planejadores [34].
As cartas e discursos de Jiang Zemin evidenciam a existência de um plano para torturar os praticantes do Falun Gong. Isto é particularmente claro no seu discurso de 7 de junho de 1999, no qual ele descreveu o desenvolvimento do Falun Gong como “o incidente mais significativo desde a turbulência política em 1989” e anunciou a criação do “Grupo Líder para Tratar da Questão do Falun Gong” e a Agência 610. O referido discurso tem todas as características típicas de um plano para suprimir e eliminar forçosamente (douzheng) o Falun Gong por meio de tortura e de outros crimes. Planos específicos de Jiang incluíram a sua decisão de submeter o Falun Gong ao douzheng, de nomear Li Lanqing e Lou Gan para chefiar o “Grupo Líder para Tratar da Questão do Falun Gong” e envolver a mídia oficial no plano geral de propaganda e difamação do Falun Gong e transmissão dos seus discursos e instruções para os líderes do Partido, a fim de garantir o apoio desses líderes, em todos os níveis, das comissões jurídicas e políticas, dos tribunais, do Congresso Nacional do Povo, etc.
Jiang Zemin é responsável pelo planejamento da tortura de praticantes do Falun Gong baseado nos mesmos fundamentos pelos quais Kordic (e outros líderes) foram considerados culpados pelo planejamento da perseguição de civis na Bósnia. Como Kordic, Jiang proferiu vários discursos, identificando o Falun Gong como uma “grave ameaça” e “inimigo do Partido” e emprenhou-se, com entusiasmo, no planejamento e orquestração da perseguição ao Falun Gong. Na verdade, a responsabilidade do Jiang é ainda mais clara porque ele iniciou e lançou a campanha de supressão (douzheng) ao Falun Gong, em vez de meramente haver participado e levado adiante os planos dos oficiais hierarquicamente superiores. Ver Kordic e Cerkez, apelação do julgamento.
O estado mental exigido para responsabilização por planejamento é o mesmo que o exigido para responsabilização por emitir ordens: o acusado, “direta ou indiretamente, tem intenção de que o crime em questão seja cometido”. Blaskic, acórdão de julgamento ¶ 278; Kordic e Cerkez, acórdão de julgamento ¶ 386; Bagilishema, acórdão de julgamento ¶ 31; Brima e outros, acórdão de julgamento ¶ 766. Além disso, uma pessoa que planeja um ato “com a consciência da probabilidade substancial de que um crime seja cometido pela execução desse plano” também satisfaz a exigência de estado mental [mens rea]. Kordic e Cerkez, apelação do julgamento ¶ 31.
Uma pergunta ainda sem resposta é se o planejamento, em si mesmo, é passível de punição (ou seja, independentemente de o crime planejado ser cometido de fato), ou é punível somente se o crime é realmente cometido. No entanto, esta questão é irrelevante para o caso de Jiang Zemin, uma vez que os crimes planejados por ele foram efetivamente cometidos. Alguns especialistas adicionam a exigência de que somente o planejamento de crimes em grande escala ou internacionais graves (por exemplo, grandes crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou genocídio) podem constituir uma ofensa particular [36]. Novamente, este requisito também é satisfeito no caso de Jiang Zemin, uma vez que há, no mínimo, dezenas de milhares de casos de tortura de praticantes do Falun Gong,
Uma vez que os requisitos de responsabilização por mens rea para planejamento são os mesmos que para ordenação, Jiang Zemin se enquadra nessas exigências pelas mesmas razões discutidas anteriormente.
A responsabilidade penal por associação criminosa (AC) está bem estabelecida no âmbito do Direito Internacional Consuetudinário (DIC). No Ministério Público v. Tadic, julgamento de recurso, ¶¶193-226 (15 de julho de 1999), o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (Statute of the International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia - ICTY) pesquisou os tribunais internacionais do pós Segunda Guerra Mundial [37],tratados, convenções, bem como a lei de Estados individuais e concluiu que a responsabilidade por AC é uma regra bem estabelecida no Direito Internacional Consuetudinário e codificada no Artigo 7º do ICTY. O reconhecimento da responsabilidade por associação criminosa no caso Tadic foi seguido em casos subsequentes do ICTY[38] no Tribunal Penal Internacional para Ruanda (International Criminal Tribunal for Ruanda -ICTR)[39] e na Corte Especial para Serra Leoa (The Special Court for Sierra Leone - SCSL) [40]. A associação criminosa também tem sido reconhecida pelos tribunais nacionais que julgam crimes internacionais, tais como a Câmara de Crimes de Guerra do Tribunal da Bósnia e Herzegovina e o Painel Especial para Crimes Graves do Timor-Leste, o Tribunal Especial para o Líbano, bem como as câmaras extraordinárias nas cortes do Camboja. Todas essas autoridades confirmam que responsabilidade por associação criminosa está agora firmemente estabelecida no Direito Internacional Consuetudinário (DIC). Elementos necessários para responsabilização por associação criminosa, no caso do Falun Gong, são discutidos a seguir.
Os elementos de actus reus exigido para responsabilidade por associação criminosa são: (1) pluralidade de pessoas; (2) a existência de um objetivo comum, equivalente a ou que envolva o cometimento de um crime; e (3) participação na execução do plano comum. Tadic, apelação do julgamento ¶227.
A pluralidade de pessoas não exige que o grupo seja organizado como uma estrutura formal, do tipo militar, política ou administrativa. Id.; Vasiljevic, acórdão de apelação, ¶100. Os grupos implicados são muitas vezes bastante grandes e genericamente definidos, com identificação somente dos “membros do núcleo central”. Por exemplo, em Krajnic, o ICTY encontrou que, além dos membros nomeados, “as fileiras da empresa, regionalmente definida, consistia de 'políticos locais, militares e comandantes da polícia, líderes paramilitares e outros’”. Krajnic, acórdão do julgamento, ¶1079-88.
Para demonstrar a existência de um objetivo comum, a Câmara de Apelações Tadic explicou que “não há necessidade que esse plano, projeto ou o propósito comum tenha sido previamente orquestrado ou formulado. O plano ou propósito comum pode materializar-se extemporaneamente e deduzir-se do fato de que um grupo de pessoas age em comum para pôr em prática uma associação criminosa”. Tadic, apelação do julgamento ¶227; Veja também Krajnic, acórdão de julgamento, ¶¶ 883-84. O propósito criminoso comum pode ser expressamente criminoso ou pode equiparar-se ao ato criminoso. Por exemplo, o objetivo compartilhado de assumir o controle de um território pode não ser criminoso, mas pode vir a tornar-se um propósito criminoso se os meios para o alcançar constituem crimes, por exemplo, por meio de “limpeza étnica”. Ver Brima e outros, acórdão de apelação ¶¶ 76-80.
Referindo-se a estes dois primeiros elementos (pluralidade de pessoas e existência de um objetivo comum), o ICTY aprovou também a exigência de “ação coletiva”: “é o objetivo comum que começa a transformar uma pluralidade de pessoas em um grupo ou associação, na medida em que essa pluralidade de pessoas tenha em comum um objetivo particular. É evidente, no entanto, que a existência de um objetivo comum apenas não seja sempre suficiente para determinar uma associação, uma vez que pode acontecer que grupos diferentes e independentes partilhem objetivos idênticos. Em vez disso, é a interação ou cooperação entre as pessoas – a ação coletiva – além de seu objetivo comum, que faz dessas pessoas um grupo ou associação”. Krajnic, acórdão de julgamento, ¶884 (grifo nosso).
Para demonstrar a participação, esta “não precisa envolver a prática de um crime específico... mas pode assumir a forma de assistência ou facilitação para a execução do plano ou finalidade criminosa comum”. Tadic, apelação do julgamento, ¶227. Por exemplo, declarações públicas protegidas pela liberdade de expressão foram consideradas como parte da contribuição do réu para o crime de “limpeza étnica” no território sérvio-bósnio. Krajnic, acórdão de apelação, ¶¶ 218, 695-96. A responsabilidade não se coloca apenas porque um indivíduo é um membro de uma organização criminosa ou grupo. Stakic, acórdão do julgamento ¶433. O réu deve ter realizado alguma ação na execução do plano criminoso. Id. Um réu não precisa, no entanto, ter participado fisicamente ou estar fisicamente presente por ocasião do crime. Kvocka, acórdão de apelação, ¶¶97-99, 112; Krajnic, acórdão de julgamento, ¶883; Krnojelac, acórdão de julgamento, ¶81. Decisões recentes do ICTY têm estabelecido que, enquanto que a contribuição “não precisa ser necessária ou substancial, deve pelo menos ter contribuição significativa para os crimes”. Brdanin, acórdão de apelação ¶430.
Conforme descrito abaixo, Jiang Zemin criou e participou de uma associação criminosa para promover a supressão forçada e permanente do Falun Gong na China, por meio da prática de vários crimes, incluindo a tortura.
Essa associação criminosa foi estabelecida em outubro de 1999, senão antes, e continua até hoje. Os indivíduos que participam deste empreendimento criminoso coletivo incluem nomeadamente o seu principal arquiteto e fundador, Jiang Zemin, e seus associados mais próximos, Lou Gan e Li Lanqing, que desempenharam papéis importantes em ajudar Jiang a criar, estruturar e operar a campanha para suprimir o Falun Gong. Além destes, papéis importantes também foram desempenhados por Zhou Yongkang, ministro de Segurança Pública durante a perseguição, entre 2002 a 2007 e atualmente sob investigação por crimes de corrupção; Zhao Zhizhen, principal agente operador da propaganda difamatória contra o Falun Gong, começando logo em 1998; Zeng Qinghong, então Chefe do Departamento de Organização do PCC, no início da perseguição; e Chen Zhili, então ministro da Educação, também no início da perseguição.
O crime de tortura está bem no centro das práticas da associação criminosa, como medida final da campanha de erradicação do Falun Gong (douzheng). Conforme observado anteriormente, quando um grupo como o Falun Gong é identificado como alvo de douzheng, a implicação é clara: é imperativo ignorar a lei para perseguir e converter à força, ou seja, mediante tortura, a pessoa ou grupo-alvo de douzheng; neste caso, o Falun Gong.
O uso da mesma terminologia empregada na Revolução Cultural – douzheng, zhuanhua e jiepi – por Jiang Zemin, Lou Gan, Li Lanqing, Zhou Yongkang, Zhao Zhizhen, e outros colaboradores da associação criminosa, evidencia a disposição para o emprego da tortura como forma de sinalizar o início da perseguição ao Falun Gong e os planos da sua subsequente intensificação. Além disso, a conversão ideológica forçada, ou seja, via tortura, dos praticantes do Falun Gong, é referida nos sites do Partido como um componente essencial da campanha para assegurar a supressão permanente do grupo espiritual. Os sites do Partido utilizam o mesmo tipo de discurso, empregado durante a Revolução Cultural, para garantir a participação de todos os aliados do Partido, incluindo aqueles encarregados de praticar a tortura, ou seja, os agentes de segurança lotados nos centros de detenção por toda a China. Como um único exemplo, apenas, a Associação Chinesa Anti-Culto, cuja principal missão declarada é a erradicação (douzheng) do Falun Gong, está repleta de artigos transmitindo ordens de Jiang Zemin para perseguir e converter à força todos os praticantes do Falun Gong conhecidos e encontrados em qualquer lugar na China [41].
Além disso, como mencionado anteriormente, há uma vasta e crescente coleção de materiais enganosos, anti-Falun Gong, buscando convencer o público chinês de que o Falun Gong é um grupo sub-humano, uma ameaça perigosa à sociedade e que deve ser violentamente reprimido ou exterminado. Esta desinformação tem sido disseminada pelos colaboradores da associação criminosa por meio dos aparelhos de propaganda do Partido, incluindo os programas da Televisão Central da China.
Para que Jiang Zemin tivesse sucesso no seu objetivo, ele trabalhou em conjunto com outros indivíduos em uma associação criminosa. Nessa associação, cada participante ou colaborador compartilhou a intenção de submeter o Falun Gong a supressão violenta (mediante tortura e outros crimes) e exerceu seu próprio papel, ou papéis, que contribuíram significativamente para alcançar o objetivo da associação, ou seja, a supressão permanente do Falun Gong, mediante cometimento de crimes que incluem tortura. Os papéis dos participantes ou colaboradores incluem, mas não estão limitados ao seguinte:
1. Li Lanqing foi membro do Comitê Permanente do Politburo do 15º Comitê Central do Partido Comunista Chinês de 1997 até novembro de 2002. Em 10 de junho de 1999, Li Lanqing foi nomeado chefe do “Grupo Líder para Tratar da Questão do Falun Gong”. A Agência 610 é o órgão executivo desse grupo. Portanto, Li Lanqing é responsável direto pela execução da política dessa agência, desde a sua criação em 10 de junho de 1999. Desde então, até 2002, Li Lanqing chefiou o “Grupo Líder” e assim tem sido diretamente responsável pelos atos de violência cometidos por este órgão oficial, instruído especificamente para reprimir o Falun Gong. Ele deve, portanto, ser considerado autor dos atos diários de tortura, massacres, desaparecimentos, estupros, pressões e ameaças atualmente desenvolvidas pelos serviços de polícia, sob a sua autoridade direta. Queixas legais foram apresentadas contra Li Lanqing na França, Espanha, Alemanha e Grécia. O caso aberto na França foi interrompido quando as autoridades chinesas se recusaram a submeter o réu a interrogatório especial (ou seja, via carta rogatória).
2. Luo Gan esteve no comando do todo-poderoso Comitê Central para Assuntos Políticos e Jurídicos, quando a campanha douzheng contra o Falun Gong foi lançada. Na qualidade de homem de confiança do então chefe de Estado chinês, Jiang Zemin, ele foi designado chefe-adjunto do “Grupo Líder” e é conhecido por assumir a responsabilidade principal na perseguição ao Falun Gong na China. Em diversos tribunais ao redor do mundo, incluindo nos Estados Unidos (2002), Espanha (2003), Finlândia (2003), Alemanha (2003) e Argentina (2005), houve acusações contra a Agência 610 e Luo Gan, envolvendo genocídio e crimes contra a humanidade, incluindo tortura. Em novembro de 2009, após uma investigação de dois anos, o juiz Ismael Moreno, do Tribunal Nacional da Espanha, emitiu uma petição para indiciar Luo Gan sob acusações de tortura e genocídio. Em dezembro de 2009, após um exame aprofundado do testemunho de peritos, testemunhas e outras provas, o juiz Octavio Lamidrad de Criminal Tribunal Federal emitiu um mandado de prisão contra Jiang Zemin e Luo Gan em dezembro de 2009. Contudo, a acusação e o mandado de prisão foram retirados devido a interferência política do Partido Comunista Chinês.
3. Zhou Yongkang serviu como ministro da Segurança Pública, de 2002 a 2007. Nessa função, ele exerceu autoridade executiva sobre as forças policiais e de segurança, operando em todo o país. A sua autoridade incluía poderes para definir a política, controlar a gestão dos assuntos de segurança e para nomear, remover e punir policiais e o pessoal de segurança em centros de detenção. Esse poderes incluem autoridade sobre operações em de todos os níveis do governo e dos aparelhos do Partido, tais como policiais e guardas de segurança encarregados de torturar diretamente os praticantes do Falun Gong em prisões, campos de trabalho forçado e centros de detenção. Entre 2007 e 2012, Zhou Yongkang serviu como chefe do todo-poderoso Comitê Central para Assuntos Políticos e Jurídicos, no qual desempenhou um papel igualmente proeminente na campanha persecutória de Jiang Zemin contra o Falun Gong. Portanto, Zhou Yongkang deve ser considerado um dos principais coautores dos crimes diários de tortura, massacres, desaparecimentos, estupros, pressões e ameaças realizadas pelos serviços de polícia, sob sua autoridade direta. Um processo criminal contra Zhou Yongkang foi iniciado nos Estados Unidos sob o título 18, seção 2340. No entanto, o caso não pode prosseguir devido a decisão de Zhou Yongkang de cancelar sua visita aos EUA.
4. Chen Zhili serviu como ministra da Educação entre 1997 e 2003. Nessa função, Chen Zhili foi responsável pela tomada de decisões de comando sobre os currículos, política interna do Ministério de Educação e aderência às diretrizes políticas do Partido no conjunto das instituições de ensino. No exercício da função, no início da perseguição em 1999, ela criou as condições para assegurar a cumplicidade das instituições educacionais em descobrir e relatar a presença de praticantes do Falun Gong à Agencia 610 ou outras autoridades competentes, bem como criar e impor currículos e outros conteúdos educacionais vilificando o Falun Gong e promovendo a sua perseguição. Sob a liderança do Ministério da Educação e por meio de numerosos atos oficiais, semioficiais e não oficiais para instigar a perseguição ao Falun Gong, um grande número de pessoas, nas instituições de ensino, cometeram graves violações das normas de direito internacional contra os praticantes do Falun Gong. Chen Zhili emitiu muitas declarações incitando a “exposição” do Falun Gong como uma “força hostil” e a repressão violenta dos praticantes do Falun Gong. Durante o seu mandato, numerosos estudantes e professores, em todos os níveis do sistema educacional chinês e que eram praticantes do Falun Gong, foram “expostos e criticados” ou discriminados de outra forma por praticarem do Falun Gong, por outros membros da comunidade acadêmica e simultaneamente forçados a parar de praticar ou serem denunciados às autoridades de segurança. Aqueles que foram denunciados para a Agência 610 ou outros aparatos da Segurança de Estado foram então submetidos a inúmeras violações, incluindo tortura, detenções arbitrárias, violência sexual e, em alguns casos, sentenças de morte extrajudiciais.
5. Zhao Zhizhen fundou e tem servido como Líder Permanente dos Membros do Comitê do Conselho Executivo da Associação de Anti-Culto na China, desde novembro de 2000, bem como o ex-chefe do Escritório da Rádio e TV de Wuhan e ex-diretor-executivo da Estação de Televisão de Wuhan, ambos de 1986 até pelo menos 2003. Durante o seu mandato e como figura influente na sociedade chinesa, como uma autoridade ideológica do PCC, Zhao Zhizhen utilizou e continua a utilizar a sua posição para sustentar a perseguição douzheng ao Falun Gong e a tortura de seus adeptos, até a erradicação da prática e a total submissão ideológica dos praticantes. Sob a sua liderança na associação Chinesa Anti-Culto e por instigação de suas publicações e propaganda, as forças de segurança chinesas cometeram graves violações das normas de direito internacional contra os praticantes do Falun Gong. Zhao Zhizhen emitiu pessoalmente muitas declarações conclamando a população para o douzheng, zhuanhua e jiepi do Falun Gong. Como um grande operador da propaganda para Jiang Zemin e com um enorme capital intelectual e ideológico à sua disposição, Zhao Zhizhen deve ser considerado um dos maiores coautores da tortura, massacres, desaparecimentos, estupros, pressões e ameaças atualmente desenvolvidas pelos agentes de segurança e outros na China.
Jiang Zemin, agindo sozinho e em conjunto com outros membros da associação criminosa, participou das seguintes maneiras:
- Na qualidade de secretário-geral do Comitê Central do PCC (CCPCC), Jiang Zemin exerceu controle efetivo e influência substancial sobre os líderes do Partido, listados anteriormente, e que participaram da associação criminosa. Agindo sozinho ou em conjunto com eles, e outras pessoas, Jiang Zemin efetivamente controlou ou influenciou as ações de todos os líderes do Partido, em todos os níveis e em todas as funções, além do Serviço de Segurança, que operava sob o seu controle.
- Na sua qualidade de secretário-geral do CCPCC, ele também foi capaz de garantir a cooperação total das Forças Armadas Chinesas, dos Tribunais Populares, das Procuradorias Populares, Congresso Popular em nível nacional e (indiretamente) nos níveis regionais relevantes. Como Jiang Zemin serviu como presidente, secretário de Estado e presidente da Comissão Militar Central durante aproximadamente os mesmos anos, ele garantiu que suas ordens, planos e instruções não fossem bloqueadas, e sim diligentemente executadas em toda a China.
- Como secretário-geral do CCPCC, Jiang Zemin forneceu apoio estratégico, logístico e político para os secretários do Partido em todos os níveis. Posteriormente, esses líderes do Partido participaram na associação criminosa por meio da emissão de ordens para aqueles imediatamente abaixo deles para que se juntassem à associação para assegurar a continuidade da violenta repressão contra o Falun Gong.
- Conforme detalhado em “Jiang Zemin e a Campanha (Douzheng) do Partido contra o Falun Gong” [42]:
- Jiang Zemin forneceu apoio estratégico, logístico e político para todas as outras comissões do Partido na campanha persecutória, direta e indiretamente, mediante uma cadeia de comando que inclui o Comitê para Assuntos Políticos e Jurídicos, o Departamento de Organização, a Comissão Militar Central, o Departamento de Propaganda e suas contrapartes em nível regional.
- Jiang Zemin forneceu apoio estratégico, logístico e político para todos os outros órgãos de Estado implicados na campanha persecutória, direta e indiretamente, por meio uma cadeia de comando envolvendo os Tribunais Populares, as Procuradorias Populares, o Ministério da Justiça, o Ministério da Segurança Pública, o Ministério de Assuntos Civis, o Ministério da Educação, a Administração do Estado para Assuntos Religiosos e suas contrapartes em nível regional.
- Jiang Zemin forneceu apoio estratégico, logístico e político para apoiar a segurança chinesa a executar lavagem cerebral, reeducação pelo trabalho e centros de detenção e prisões em toda a China, direta e indiretamente, por meio de uma cadeia de comando que está descrita em “O papel de Jiang Zemin na perseguição ao Falun Gong – um breve resumo” [43]
Existem três classes de responsabilidade por associação criminosa, cada uma com sua exigência própria quando a intenção. Uma vez que a segunda classe não é relevante aqui, apenas a primeira e a terceira classes são discutidas abaixo.
Básica. A forma mais básica de responsabilidade por associação criminosa é responsabilidade decorrente dos atos acordados ao se elaborar um plano ou projeto comum. Todos os membros da associação possuem a mesma intenção criminosa de cometer o crime planejado e todos os membros são responsáveis, qualquer que seja o seu papel. Tadic, apelação do julgamento ¶¶196, 228; Vasiljevic, acórdão de apelação ¶9; Krajnic, acórdão do julgamento ¶79. O réu não precisa demonstrar ou obter qualquer “entusiasmo, satisfação pessoal ou exercer iniciativa pessoal” para ter a intenção de promover o propósito criminoso comum. Kvocka, acórdão de apelação, ¶242. O exemplo clássico é uma associação criminosa para cometer um assassinato, onde cada um dos participantes tem a intenção específica do assassinato, mas realiza um papel diferente em efetuar aquele intento. Tadic, apelação do julgamento ¶196.
Estendida. O terceiro modo de responsabilidade refere-se aos participantes que concordaram com o objetivo principal do projeto criminoso comum (por exemplo, a deportação forçada de civis), mas não partilham a intenção de um ou mais membros do grupo em cometer outros crimes relacionados com o crime principal combinado (por exemplo, abusar ou assassinar alguns dos civis no processo). Veja, por exemplo, Tadic, acórdão de apelação ¶ 204; Vasiljevic, acórdão de apelação ¶ 99; Krajisnick, acórdão de julgamento ¶ 881. A responsabilidade estendida em associação criminosa requer (1) a intenção de cometer o crime principal combinado (responsabilidade básica por associação criminosa); (2) previsibilidade, por parte do réu, de que os outros membros do grupo podem cometer outros crimes; e (3) assunção voluntária, por parte do réu, em correr o risco de que o crime adicional previsível seria cometido. Tadic, apelação de julgamento ¶¶ 220, 228; Kvocka, acórdão de apelação ¶ 86; Krajisnick, acórdão de julgamento, ¶ 882 [44]. Existe algum debate sobre se a exigência de previsibilidade requer que o agressor secundário preveja subjetivamente a possibilidade do crime adicional cometido por outros membros da associação criminosa ou se, em vez disso, requer previsibilidade objetiva dessa probabilidade (ou seja, uma pessoa razoável deve ser capaz de prever aquela probabilidade). Parece que Tadic, Krstic e Stakic, têm geralmente aplicado a norma objetiva, a qual requer um limiar mais baixo para a responsabilização estendida.
Conforme indicado, Jiang Zemin participou consciente e voluntariamente da associação criminosa, estando ciente de todas as consequências previsíveis dessa associação. Portanto, ele atende às exigências mens rea requeridas para responsabilização por associação criminosa tanto no modo “básico” como no modo “estendido”.
A responsabilidade por cumplicidade e facilitação está bem estabelecida no Direito Penal Internacional. Ela está reconhecida no Artigo 7º(1) do Estatuto ICTY, no Artigo 6º(1) do Estatuto ICTR e no Artigo 6º(1) do Estatuto SCSL. Todos eles estabelecem a responsabilidade criminal sobre “[uma] pessoa que... ajudou no planejamento, preparação ou execução de um crime...”[45].
Como um modo de responsabilidade derivada, a responsabilização por cumplicidade e facilitação requer, primeiro, que se estabeleça o crime subjacente pelo autor e do qual o réu é acusado de haver facilitado ou ser cumplice. Simic, apelação do julgamento ¶161; Aleksovski, acórdão de apelação ¶165. Mas um facilitador ou cúmplice pode ser condenado “mesmo onde os autores principais não tenham sido processados ou identificados”, Krstic, acórdão de apelação ¶145; e o autor não precisa saber da contribuição do cúmplice, Tadic, acórdão de apelação ¶229. Geralmente, a facilitação e cumplicidade envolvem um grau inferior da responsabilidade penal individual, do que a responsabilidade de coautoria em uma associação criminosa. Krnojelac, acórdão de apelação ¶75 [46].Para estabelecer a responsabilidade por facilitação ou cumplicidade, no Direito Penal Internacional, os tribunais ad hoc têm estabelecido as seguintes normas para mens rea e actus reus.
Não é necessário que o cúmplice de compartilhe a mens rea (intenção) do criminoso. Furundzija, acórdão julgamento ¶245. Em vez disso, os tribunais internacionais uniformemente sustentam que o facilitador e cúmplice precisam apenas ter “conhecimento de que as suas ações ajudarão o autor a cometer o crime”. Veja, e.g., Furundzija, acórdão de julgamento ¶245; Duarte, acórdão de julgamento ¶321; Tadic, acórdão de apelação ¶229; Vasiljevic, acórdão de apelação ¶102; Blagojevic e Jokic, acórdão de apelação ¶127.
Não há consenso sobre o grau de conhecimento que o réu deve ter acerca do crime em questão. Uma linha de decisões inequivocamente declara que “não é necessário que o facilitador e cúmplice tenha conhecimento do crime específico, planejado e eventualmente cometido. Se ele está ciente de que um, de uma série de crimes que possivelmente podem ser cometidos e um desses crimes é de fato cometido, ele... é culpado de facilitação e cumplicidade”. Veja, e.g, Blaskic, acórdão de julgamento ¶287; Furundzija, acórdão de julgamento ¶246; Kvocka, acórdão de julgamento ¶255; Naletilic, acórdão de julgamento ¶63. Por outro lado, em uma outra linha de casos, incluindo o Blagojevic e Sergio Kunarac, Krnojelac e Simic, os tribunais exigiram que os acusados soubessem que suas ações auxiliariam a prática de um crime específico. Veja, e.g., Simic, acórdão de julgamento ¶163; Kunarac, acórdão de julgamento ¶392; Krnojalec, acórdão de julgamento ¶90.
Também não há consenso sobre até onde deve-se estender o conhecimento do cúmplice além das suas próprias ações e sobre o estado mental do autor. Ver James G. Stewart, “O fim dos modos de responsabilidade por crimes internacionais”, 25 Leiden J. Int’l L. 165, 196 (2012). Embora essa questão não tenha sido discutida detalhadamente nos tribunais internacionais, algumas decisões têm sugerido que “um elemento volitivo deve ser incorporado na norma jurídica” para evitar que o requisito de conhecimento seja diluído em um padrão imprudente, onde o “conhecimento de qualquer tipo de risco” seria suficiente para impor responsabilidade. Blaskic, acórdão de apelação ¶41; Oric, acórdão de julgamento ¶288; Blaskic, acórdão de julgamento. No entanto, desde Oric, esta formulação não tem sido amplamente adotada. Em qualquer caso, parece que a disposição em participar, ou seja, “a decisão consciente de participar” ou “a consciência de uma probabilidade substancial de que um crime será cometido... deve ser considerada como aceitação do crime”. Blaskic, acórdão de apelação ¶42; Tadic, acórdão de julgamento ¶674. [47]
Aplicado a Jiang Zemin, é claro que Jiang sabia que sua orquestração da campanha persecutória contra o Falun Gong iria substancial e especificamente generalizar os atos de tortura. Uma vez que “conhecimento” é um requisito mais baixo do que a “intenção”, e uma vez que a intenção de Jiang foi demonstrada pelos motivos detalhados anteriormente em relação a responsabilidade de “ordenar”, a responsabilidade por conhecimento, de Jiang, está claramente demonstrada.
O Direito Internacional Consuetudinário exige “assistência prática, incentivo ou apoio moral com efeito substancial sobre a perpetração do crime” Furundzija, acórdão de julgamento ¶235 [48]. O ato de facilitação ou cumplicidade “não exige a presença efetiva ou facilitação física” e “pode ser geográfica e temporalmente distanciado”. Tadic, acórdão de julgamento ¶¶679, 687. O ato em questão pode ocorrer “antes, durante ou depois que o ato criminoso tenha sido comprometido”. Aleksovski, acórdão de julgamento ¶62. Não é necessário provar que existe relação de causa-efeito entre o ato em questão e o cometimento do crime. Aleksovski, acórdão de julgamento ¶61. A facilitação do réu “não precisa constituir um elemento indispensável, ou seja, uma condição sine qua non para os atos do autor”. Furundzija, acórdão de julgamento ¶209.
Embora não haja uma definição de “substancial”, a facilitação “deve exercer um efeito sobre o cometimento do crime”. Tadic, acórdão de julgamento ¶688. Os atos do cúmplice precisam “fazer uma diferença significativa para a cometimento do crime pelo autor”. Furundzija, acórdão julgamento ¶233. Como exemplos, o Tribunal de Furundzija citou os casos Einsatzgruppen (fornecimento de uma lista de comunistas) e Zyklon B (fornecimento de gás venenoso para um campo de concentração). Outros exemplos de facilitação que satisfazem o requisito actus reus de responsabilidade por facilitação e cumplicidade incluem o fornecimento de arma ao autor, levar o autor para a cena do crime e apontar para as pessoas que serão mortas e fornecer outros recursos para serem usados em um crime. Ver Ntakirutimana, acórdão de apelação ¶530, Krstic, acórdão de apelação, ¶137.
A aprovação tácita e o encorajamento que contribuam substancialmente para um crime podem satisfazer as exigências de actus reus. Essa forma de contribuição normalmente ocorre nos casos de “presença do superior”, onde o ato de estar presente na cena do crime como um “espectador silencioso” pode ser interpretado como aprovação tácita e encorajamento. Brdanin, acórdão de apelação ¶277.
Omissões também podem ser suficientes, se existe um dever de agir, “desde que essa omissão tenha um efeito decisivo sobre o cometimento do crime e seja acompanhada do requisito mens rea”. Blaskic, acórdão de julgamento ¶284. No entanto, os tribunais ad hoc não definiram em detalhe os requisitos para uma condenação com base em omissão. Oric, acórdão de apelação ¶43. Para casos envolvendo omissões, consulte Sljivancanin, acórdão de apelação ¶¶62-63; Aleksovski, acórdão de julgamento ¶¶87-88.
Jiang Zemin forneceu toda a assistência prática necessária, incentivo e apoio moral que tiveram efeito substancial sobre a perpetração de atos generalizados de tortura dos praticantes do Falun Gong. Conforme discutido em detalhe anteriormente com relação à responsabilidade por associação criminosa, Jiang identificou o Falun Gong como alvo da campanha persecutória (douzheng), estabelecendo assim uma estrutura de comando para cometer uma série de abusos, incluindo torturas. Ele utilizou expressões da Revolução Cultural, tais como, douzheng, zhuanhua e jiepi, para sinalizar o início de uma campanha de perseguição e tortura dos praticantes do Falun Gong com indicação de intensificação subsequente. Ele iniciou uma campanha de desinformação e propaganda difamatória, resultando em uma vasta e crescente coleção de materiais de anti-Falun Gong e procurou convencer o povo chinês de que o Falun Gong é um culto sub-humano e uma ameaça perigosa à sociedade e que deve ser violentamente reprimida ou exterminada. Jiang Zemin exerceu controle eficaz e influência substancial sobre os líderes do Partido que levaram a cabo a perseguição e a tortura de praticantes do Falun Gong. Ele forneceu apoio estratégico, logístico e político aos líderes do Partido, Comissões, órgãos de propaganda, órgãos de Estado e agentes de segurança. Assim, não só assistência do Jiang teve um efeito substancial sobre a tortura dos praticantes do Falun Gong, os atos de Jiang provavelmente tiveram o efeito mais substancial sobre essa tortura do que dos de quaisquer outros envolvidos na campanha persecutória.
A responsabilidade de comando, também referida como responsabilidade superior, tem sido bem estabelecida no Direito Penal Internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Ver Antonio Cassese, Direito Penal Internacional, 236-41 (2008). Atualmente, a responsabilidade de comando é reconhecida em todos os tribunais internacionais, incluindo o Artigo 7º(3) do Estatuto ICTY, o Artigo 6º(3) do Estatuto ICTR e o Artigo 6º(3) do Estatuto SCSL, bem como no Artigo 28º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Ao contrário da maioria das outras classes de responsabilidade, a responsabilidade de comando é uma responsabilidade por omissão: a pessoa é criminalmente responsável não por um ato que ela tenha realizado, mas sim pela falta em realizar um ato exigido pelo direito internacional. O direito penal internacional moderno requer provar a presença dos seguintes fatores, para estabelecer a responsabilidade de comando: (i) a capacidade de controle efetivo, (ii) conhecimento real ou presumível das atividades criminosas e (iii) falha em tomar as medidas necessárias e razoáveis. Celebici, acórdão do julgamento ¶376.
Jiang Zemin claramente não usou a sua autoridade como secretário-geral do Partido (e muito menos como presidente da República ou como presidente da Comissão Militar Central) para impedir qualquer um dos atos ilegais perpetrados contra os praticantes do Falun Gong na China, incluindo a tortura generalizada. Pelo contrário, esses atos foram todos realizados sob as suas ordens e supervisão.
Como secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista Chinês e mediante o poder e a influência que exerceu, Jiang Zemin desempenhou o papel-chave no desenvolvimento, criação e execução de políticas, objetivos e estratégias da campanha de erradicação (douzheng) do Falun Gong e perseguição dos seus praticantes na China. Juntamente com outros em associação criminosa, Jiang Zemin lançou, planejou, instigou, preparou, ordenou, executou, apoiou e protegeu a violenta campanha para perseguir e aterrorizar todos os praticantes do Falun Gong, pacíficos cumpridores da lei. Ele tinha o dever e a responsabilidade de evitar os crimes, as violações e os abusos que ocorreram ao longo da campanha. Em vez disso, ele defendeu publicamente os objetivos genocidas da campanha, incentivou e instigou os atos criminosos. Como o processo legal contra Jiang Zemin deixará claro, ele é responsável, de múltiplas formas, por esses e outros crimes flagrantes contra a China, o povo chinês e a humanidade.
Notas de rodapé: